Centros de referência são cruciais
- 05-08-2014
Luís Ramos é pai de dois rapazes. Miguel, o mais velho, tem hemofilia tipo B. Não existia história de hemofilia na família pelo que a doença do pequeno Miguel foi um choque para Luís e Vera, a sua mulher.
Nascido de parto normal, mas com o auxílio de uma ventosa, vinte e quatro horas depois de sair da maternidade, o bebé apresentava um hematoma deveras preocupante. Sem perda de tempo, os pais levaram-no para o Serviço de Urgência de um grande hospital de Lisboa, onde ficou internado cerca de uma semana. "Recebeu transfusões de sangue e uma semana depois teve alta". Apesar do Miguel ter sido sujeito a vários testes, os pais continuaram na dúvida sobre as causas daquele episódio. Com efeito, os testes visavam a hemofilia tipo A e o bebé, como se verificaria meses mais tarde, possuía hemofilia tipo B.
Aos dois anos e meio, o Miguel iniciou a profilaxia, de acordo com indicações da sua médica. Desde então, "faz tratamento uma vez por semana e, até agora, apenas houve duas ou três situações preocupantes", afirma Luís Ramos. "Apesar de termos recebido formação para administrar o tratamento ao Miguel em casa, preferimos continuar a levar o nosso filho ao hospital, onde nos sentimos mais confiantes".
Para Luís Ramos, o sentimento de super-proteção que os pais desenvolvem "é inevitável". O apoio da Associação Portuguesa de Hemofilia e outras Coagulopatias Congénitas (APH) foi extremamente importante "mas o que me ajudou mais a abrir os meus horizontes foi o contacto com os outros pais, em encontros promovidos pela Associação".
Quanto ao Miguel, "há alturas em que se esquece completamente da sua doença. Sabe que não deve jogar à bola mas por vezes acontece e, durante o período escolar, não raras vezes aparece com alguma nódoa negra. De resto, segundo a nossa análise, não se sente inferiorizado em relação às outras crianças, embora seja uma doença que o vai acompanhar o resto da vida".
O facto é que, embora os adultos com hemofilia apresentem diversos problemas e limitações, sobretudo a nível locomotor, Luís Ramos sabe que o seu filho Miguel, devido à profilaxia e à eficácia dos novos medicamentos, irá ter uma qualidade de vida idêntica à de qualquer outra pessoa.
"Temos também muito mais informação do que as gerações anteriores, o que constitui uma mais-valia".
O apoio dos médicos é igualmente importante. Para Luís Ramos "as equipas médicas, de enfermagem e pessoal auxiliar do Hospital Dona Estefânia, são como da nossa família, sempre disponíveis e prontas a ajudarem".
O pai do Miguel chama, no entanto, a atenção para a necessidade de centros de referência. "Há cinco ou seis anos, quando nos encontrávamos a passar uns dias de férias em casa dos meus pais, no Fundão (Beira Baixa), o Miguel começou a queixar-se de um joelho. Fomos de imediato às urgências de pediatria do hospital de referência (Covilhã) mas o meu filho não recebeu o tratamento na dosagem adequada e, ao final do dia, tivemos de regressar a Lisboa".
Para Luís Ramos, "a existência de centros de referência de tratamento da hemofilia seria muito importante porque, desse modo, todos falariam a mesma língua" e, por outro lado, o INEM ou os bombeiros não perderiam tempo em levar estes doentes para o hospital mais próximo em vez de se encaminharem para um centro especializado. Um tempo precioso que, como aponta Luís Ramos, "pode significar salvar ou perder uma vida".
Texto original publicado na revista Hematologia Oncologia, junho 2014